Vaidade das vaidades

28 09 2009

A maioria das pessoas alimenta o sonho de ficar rico. Por isso é que as mega-senas da vida têm tanto sucesso e aceitação. Nada de mais. Ficar rico, ter muita grana, poder fazer o que quiser sem as limitações impostas pela ausência do vil metal deve ser bom demais.

Só que riqueza é uma coisa muito relativa. Uma revista norte-americana mantém atualizado um ranking de ricos, medido pelo tamanho da fortuna em dólares, quero dizer, em bilhões de dólares. Na minha terra, em Campina Grande, onde o povo é exagerado, os ricos também o são; e ouvi dizer que um deles, ao construir a casa nova, nela incorporou não mera e comum quadra de volei ou tênis, mas um campo de futebol nas dimensões oficiais, e chamou Pelé, o rei Pelé, para dar o chute inaugural. Outro – esse eu vi – estava bebendo em um bar nas cercanias de Mamanguape-PB, com a camionete cabine dupla estacionada em frente. Mal vestido, de chinelas, não parecia ter grana. O garoto que atendia às mesas duvidou que o carro fosse dele e ele, o rico, para mostrar que o era, pegou do chão uma pedra e destruiu o para-brisa do próprio carro somente para comprovar sua propriedade.

Qualquer coluna social de província – porque elas estão cada vez mais extensas e variadas, invadindo o espaço dos cadernos culturais dos jornais – exibe os símbolos de riqueza material que enchem os olhos dos deslumbrados: festas descritas em detalhes onde os ditos “ricos” degustam champanhe, crentes que pertencem a uma camada especial da humanidade. Mas no outro dia, meu caro leitor, você vê esse povo todo no trampo, trabalhando, ralando, nos escritórios, consultórios, jornais, empresas, indústrias e outras instâncias da produção de riqueza. No outro dia lá estão todos eles, ainda um pouquinho ressacados, mas suando – pouco – a camisa no ar condicionado, com obrigações, agendas, compromissos e reuniões de trabalho.

Jorginho Guinle

Jorginho Guinle

Ai eu pergunto: e será isso riqueza? Será que esses são realmente os ricos? Rico trabalha? O pobre quer ficar rico para deixar de trabalhar; aí ele descobre que ser rico – pelo menos na província – também dá muito trabalho. Quem estava certo era Jorginho Guinle, rei dos play-boys brasileiros: ser rico é não precisar trabalhar e ele se gabava de nunca ter trabalhado um só dia na sua vida.

Imediatamente me lembrei de Lady Caroline Ascher, dama da alta sociedade norte-americana na década de 1890 e que reinava soberana do alto da sua opulenta mansão vitoriana onde passava o verão em Newport, Rhode Island. Foi dela a idéia de criar o “400”, o primeiro índice de “colunáveis” dos Estados Unidos. O índice continha apenas 400 nomes porque era o número de pessoas que cabiam no seu salão de baile. Neste salão, com mais de 600 metros quadrados, havia 833 janelas e espelhos e ser convidado para as recepções de Mrs. Ascher em Beechwood – que era o nome da mansão – era quase como ser promovido a santo: significava ser admitido numa classe especial de gente que era diferente dos mortais comuns e, principalmente, para diferenciá-los dos ricos que não eram ricos de verdade.

Beechwood

Beechwood

O conceito de riqueza de Mrs. Ascher que norteava a escolha dos seus quatrocentos eleitos era simples: ter pelo menos um milhão de dólares (que no final do século XIX era dinheiro) e não ter trabalhado por três gerações, o que quer dizer que além do camarada não trabalhar, seu pai e seu avô também não deveriam ter trabalhado. O escolhido, além de ser ocioso de carteirinha, tinha de ser também ocioso hereditário.

Essas histórias me vêm à cabeça sempre que vejo aqui na província essas festas descritas nas colunas sociais ou quando ouço alguém dizer que comprou um sofá por dez mil reais.

Futilidade,vaidade, insulto terrível e sem perdão a quem ganha salário mínimo nesse país de desvalidos, todos esses pecados acabo de cometer quando ocupo seu tempo e este espaço para essa minha breve digressão entre os ricos de verdade e os ricos de mentira. Mas não sou santa, meu caro leitor, e como você também não é, espero que tenha se distraído um pouco com este papo fútil, para animar esse início de semana onde estamos todos no final do mês e, ricos ou pobres e remediados, esperamos com ansiedade o nosso contra-cheque.