Carlos Drummond de Andrade, “gauche” na vida

31 10 2009
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Há mais de cem anos, num dia 31 de outubro como esse, em 1902, nascia em Itabira, Minas gerais, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Não foi somente um mestre na poesia, mas também na crônica e no conto; sua bibliografia é vasta e dispensa comentários pois é ponto pacífico que Drummond é um dos nossos “gênios da raça”.

Ainda consigo evocar a emoção que tive quando li Carlos Drummond de Andrade pela primeira avez. Tinha uns 14 ou 15 anos de idade e li no colégio, ou melhor, o professor de Português leu alguma coisa durante a aula e depois deixou o livro por ali; eu peguei, folheei e li, entre surpresa e maravilhada, alguns poemas.

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Acostumada com sonetos, poemas de Castro Alves e poesia parnasiana, fiquei completamente de bobeira com a vigorosa poesia daquele homem que dizia tudo o que eu queria dizer mas não sabia. Da mesma forma que ele, eu estava “presa à vida e aos meus companheiros” e sentia, mesmo de forma imperfeita, que “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.” A partir daí, o poeta sempre me acompanhou em tudo, oferecendo a melhor forma de descrever e expresar as minhas paixões, as minhas perprlexidades, os meus anseios, numa época em que eu ainda não tinha linguagem própria para traduzir o que ia no meu coração e na minha mente.

Muitas coisas me ensinou a poesia de Drummond. Ensinou-me que “o mundo é grande e cabe na cama e no colchão de amar”, e que o amor é eterno pois “eu te gosto, você me gosta, desde tempos imemoriais”. Aprendi que um retrato na parede pode doer tanto como se a coisa viva, presente e pulsante estivesse de pé, olhando para mi ali no meio da sala, e desde então guardo certos retratos no fundo das minhas gavetas mais profundas, para que não doam, para que não me machuquem.

Junto com o poeta, compadeci-me de José e perguntei-lhe: “E agora, José?” aproveitando também para perguntar a mim mesma “E agora?” E também fiquei ali, como José, “sozinho no escuro, qual bicho do mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar.” Como as filhas, quis saber de “Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?” E perplexa diante do “mundo, mundo, vasto mundo” descobri que não me chamava Raimundo, não era uma rima e muito menos uma solução. Finalmente, fiquei e ainda fico horas mesmerizada diante do desmesurado edifício poético que é “A Máquina do Mundo”.

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Depois de ler Drummond eu, adolescente estranha e esquisita, descobri um termo que me descrevia exatamente: “gauche”. E, como o poeta, entendi que a condição de artista está sempre ligada a essa “gauchice”, se é que posso dizer assim.

Saúdo entao hoje o poeta de “A Flor e a Náusea”, este homem que sentava “no chão da capital do país às cinco horas da tarde” e dizia, sem admitir nenhuma contestação: “Garanto que um flor nasceu.” No dia em que li esses versos pela primeira vez, aprendi uma lição fundamental: que uma flor, mesmo feia, continua sendo uma flor e que, somente por ser flor, pode furar “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”